A Confissão de Bolsonaro

MARCELINO PEQUENO
4 min readNov 28, 2024

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“Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta. Papéis, eu recebia um monte.” Bolsonaro em 29 de junho de 2024.

Nesta quarta, 27, em um restaurante em Brasília, Bolsonaro deu uma entrevista para a imprensa se justificando das acusações da Polícia Federal (https://noticias.uol.com.br/colunas/raquel-landim/2024/11/28/bolsonaro-golpe-entrevista.htm). Em certo trecho, ele confessa que tinha a minuta do golpe (decreto de estado de sítio) e que conversou com os chefes das forças armadas sobre possibilidades de reverter o resultado da eleição. Ele admite que discutiu decretar GLO (Garantia da Lei e da Ordem), aplicar o artigo 142 (na interpretação fantasiosa de que as forças armadas são o poder moderador entre os poderes da República), decretar estado de sítio ou decretar estado de defesa. Todas essas ações com um único objetivo: reverter o resultado da eleição que ele havia perdido, impedir a posse de Lula, e ele, o candidato derrotado, continuar no poder. Quando lhe é apontado que o mecanismo para questionar uma eleição é uma representação ao TSE, ele responde que essa porta estava fechada, pois o PL fez isso e recebeu uma resposta em poucas horas, lhe multando em R$ 22 milhões (Alexandre de Moraes alegou, com razão, que foi litigância de má fé). Então ele partiu para a justiça com as próprias mãos, ou seja …. o golpe …

A entrevista de Bolsonaro se defendendo é, em realidade, uma confissão do crime. Nela ele admite que tentou o Golpe contra a eleição, mas “dentro das quatro linhas da Constituição …”, como se isso não fosse um oxímoro.

Vejamos o trecho crucial da entrevista.

1. Declaração de Bolsonaro.

“Minuta do golpe é baseada na Constituição. Para que serve a Constituição? É a nossa lei máxima. Eu entendo que ali é um norte para você seguir. Se tem um remédio ali, por que não discutir?

Discutir um dos artigos da Constituição é algum crime? Foi levada avante alguma dessas possíveis propostas? O comandante do Exército falou sobre isso. Foi discutida a hipótese de GLO, de 142, de estado de sítio, estado de defesa. Qual é o problema de discutir isso aí?”

2. Pergunta:

Mas por que o senhor queria discutir isso? O senhor queria anular as eleições?

Resposta de Bolsonaro.

“O nosso foro para discutir esse assunto era o TSE. O Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] deu uma procuração ao nosso advogado e ele peticionou o TSE apontando possíveis inconsistências. Em poucas horas, o pedido foi indeferido com uma multa de R$ 22 milhões. Se nós voltássemos a recorrer, a multa podia passar para R$ 200 milhões. Ou até cassar o registro do PL. Virou terra de ninguém. Onde nós podemos nos socorrer? Esqueça a legislação eleitoral. Tem alguma maneira de, na Constituição, voltar a discutir o processo eleitoral? Tem ou não tem? Teria, supostamente, nesses artigos que falam de sítio e de defesa.

Isso foi conversado com várias pessoas e não foi uma discussão muito acalorada, porque rapidamente — olha, esquece, o certo é peticionar o TSE. Mas a arbitrariedade se fazia presente na pessoa do presidente do TSE [na época, o ministro Moraes]. Agora, o Alexandre Moraes interferiu ou não no processo eleitoral? Sim.”

Ou seja, ele na qualidade de Presidente em exercício em fim de mandato, e candidato derrotado para a reeleição, se arvorou o direito de fazer justiça com as próprias mãos. Tendo sido frustrado em seu pleito, vazio de fatos e evidências, mas cheio de convicções, conspirou, elaborou e pôs em execução um plano de golpe de Estado, que ao fim e ao cabo, não prosperou, por não ter o apoio pleno das forças armadas que ele tentou cooptar.

Não há ruptura institucional maior em uma democracia do que não se aceitar o resultado de uma eleição. É legítimo ficar insatisfeito, mas tendo sido derrotado, se aceita e se prepara para a próxima, se assim o desejar. Por ironia, quinze dias antes de sair o indiciamento pela PF, se sentindo fortalecido, Bolsonaro escrevera em artigo na Folha de São Paulo, “Aceitem a Democracia!”. Nele, ele dava uma lição de moral na esquerda pelo mundo afora, que, segundo ele, tem a prática de não aceitar o resultado eleitoral. Mentiroso contumaz, cara de pau para ele é bobagem…

Como se sabe que um acusado está mentindo? Quando ele vai mudando suas versões à medida em que as investigações avançam e novos fatos são descobertos. Vejam o caso do Daniel Alves: O principal argumento para sua condenação foi o fato de ele ter apresentado quatro ou cinco versões para o ‘estupro’. Foi de: “não aconteceu, não sei quem é ela” a “sexo consensual”.

Lembrem que, no início, Bolsonaro dizia que essa minuta não existia e que se existia ele nunca a tinha visto. À medida que os fatos e revelações lhe atropelam, ele vai mudando as versões sempre concedendo cada vez mais, até que a verdade fica tão evidente que dispensa suas declarações. Bolsonaro será um caso sui generis de condenação por excesso de provas

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